terça-feira, 12 de julho de 2011

Sombra sem luz

Um olhar triste, solitário. Cabeça inclinada para baixo. Aparentemente, ela não consegue reerguer-se, enxergar acima do nariz, mas sempre por baixo dele. Como se algo o puxasse para o chão, chamasse sua atenção o tempo todo. Como um cachorro perdido, que sente falta do dono sempre tão carinhoso. A coluna é curva - como naquele desenho - e parece empurrá-lo ainda mais para baixo. Cabelos encaracolados, negros, sujos, quebradiços.

As diversas rugas no rosto tanto podem demonstrar o longo tempo de vida quanto podem ser resultado de um tempo de agruras. Barba mal feita. Não mal feita como fazem os garanhões - “puro charme”, mas mal feita como se cada pelo tivesse sido arrancado com as unhas, e que alguns - grande maioria - elas não conseguiram alcançar, foram vencidas pela velhice deles. Embora fracos, sem um sabonete, que seja, os pelos são fortes. Fortes no sentido de que suas raízes, na derme, têm mais forças que as unhas das mãos, que não possuem nutrientes necessários para que sejam capazes de destruir, um a um, os invasores da pele do rosto que um dia foi lisa e bem tratada.

Roupas escuras. Se tinham cores, já não é possível vê-las. Numa escala de cinzas, o branco não aparece. Mas o preto, sim. Tanto em seus trajes quanto em sua vida sem luz, esquecida. O velho cobertor rasgado, maltrapilho, com as lãs que fogem das poucas costuras existentes, envolve os braços nus. Pois apenas os ombros, e o tronco, são escondidos por um pano que, na escala de cinzas, está entre o cinza claro – já que não há branco – e o preto, aquele mesmo preto presente em sua vida. O que parece ser uma bermuda se mistura com o que se pode chamar de camiseta. Por causa da falta de cores, tornam uma peça única.

Pernas de fora. Algo em seus pés pode ser classificado, já que cobre algumas partes deles, como um tênis. Sim, é possível perceber pelas cordas soltas que se movimentam a cada passo que ele dá, e pelas “línguas” que se desprendem do dorso magro. Mais uma vez, a tal escala de cinzas.

Um pedaço de pão. Numa manhã fria em São Paulo ele só queria um pedaço de pão. E esperava, incansavelmente, como um cachorro que aguarda, ao lado da mesa, um pedaço de carne. Ele queria apenas ser notado, por isso ficou na porta. Mesmo assim, era transparente. Não tinha cores. Ninguém o enxergava. Ele não falava, ele não pediu o pedaço de pão. Para quê falas quando a imagem grita? Grita. Grita. Grita, sem parar. E os surdos não têm “aparelho”, não podem ouvir. Não escutam o quanto ele clama por um pedaço de pão. São 11 horas da manhã de um domingo de sol que não aquece. E ele insiste. Não pode sair enquanto não destruir aquilo que o extermina por dentro. Precisa alimentar o ogro em seu estômago para que consiga ter forças suficientes nas unhas para arrancar os pelos de seu rosto.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Por um instante apenas

Sobe a escada rolante, não como de costume - às pressas - mas, lentamente, com as mãos no corrimão, em pé, à direita. Enquanto isso, repara nos rostos, expressões, que descem. Um leva a mão à cabeça, sorri e desliga o celular; outro gesticula, enquanto fala sem parar; outras duas, atentas, fixam o olhar na escadaria, mas não escondem a atenção às palavras do moço palavreador entre elas.

Mais acima, um grupo inicia a descida. Cabeças baixas, sorrisos tímidos, conversas paralelas – ela não entende. Frustração. Pois o melhor de estar nos vagões do metrô, por exemplo, é poder ouvir o papo alheio, já que o tempo entre as estações não permite o deliciar-se com várias páginas do livro. Em meio à empolgação, ao delírio, a cada frase lida, o maquinista anuncia a próxima estação – é justamente a que se deve desembarcar.

Enxerga a grande avenida. Frio. O vento gélido torna os olhos úmidos e os lábios secos. Os cabelos voam, enquanto o casaco preto é apertado pelas mãos nos bolsos sobre o corpo. Olha para um lado, olha para o outro, não o vê. Estranho. Ele não costuma se atrasar. Entra novamente para o aquário de vidro. Para. Consegue enxergar tudo e todos. São muitos. Percebe os diversos olhares, as demonstrações de sensações ao entrar ou sair. Os risos e os choros. Seus olhos se movem cada vez mais rápido, e mesmo assim não consegue acompanhar, se perde.

Mais uma vez, olhar fixo na escada. Cinco minutos. Dez minutos e ela reconhece uma pontinha da blusa verde entre as milhares de pretas, vermelhas, azuis, brancas. Uma olhadela no corrimão e uma mão com dedos saltitantes, ferozes, também é reconhecida. Passam as blusas pretas, brancas, azuis, vermelhas... eis que a verde o traz. Um sorriso. Dois. Um abraço. Nenhuma voz. Nenhum ruído. Sentem, ambos, o pulsar dos corações. Por um instante parecem um só, as batidas se igualam e, assim, tornam-se únicas. Únicos.