sábado, 28 de agosto de 2010

Graciliano Ramos sobre a arte de escrever


"Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício. Elas começam com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes.
Depois enxáguam, dão mais uma molhada, agora jogando a água com a mão. Batem o pano na laje ou na pedra limpa, e dão mais uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota.
Somente depois de feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada na corda ou no varal, para secar. Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa. A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer."

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Bate-papo com Raphael Penteado

Após postar um link da Revista Cult em meu Facebook, Raphael Penteado fez alguns comentários. O assunto da matéria é o Governo Lula. No semestre passado, fiz uma entrevista com Raphael, e o tema era o mesmo, a situação do Brasil após 8 anos do governo petista. E, mais uma vez, debatemos a respeito disso. Achamos interessante e por isso decidimos postar em nossos blogs.

LINK: ‎"Dossiê: A Era Lula - política, economia, movimentos sociais, cultura e educação: o legado de um presidente improvável". "...Eis aqui o cerne da questão: após sete anos de “regressão política”, 83% de aprovação no Ibope não pode ser obra da divina providência."

Revista Cult » Movimentos sociais na Era Lula
http://revistacult.uol.com.br/home/2010/07/movimentos-sociais/
Site da Revista CULT

Raphael Penteado: Me parece que esse artigo ilustra bem a essência da extrema esquerda no Brasil (que inclui elementos do PT, PSOL, PCdoB, etc): um desapego e/ou um desprendimento total com a realidade. É impressionante que consigam manter viva a ilusão marxista/socialista de que um Estado forte é a solução para a desigualdade no Brasil. Um século se passou, o mundo viveu a experiência socialista, e não há um único exemplo de êxito. Eles continuam a enxergar que a resposta continua a vir de cima (do Estado, liderado por um político iluminado) e teimam em negar a essência democrática de uma solução CAPITALISTA. De duas, uma: ou um cretinismo absoluto ou um mar de burrice intransponível. O cerne da questão: meu Deus, por onde começar?
05 de agosto às 09:58

Clarisse Sousa: Oi, Raphael, não acredito que haja mais essa separação esquerda/direita. O que há na verdade é um governo que começou a lutar pelo fim da desigualdade no país, e melhor ainda, conseguiu diminuir o índice de pobreza como nenhum outro. O governo Lula pensou nos pobres. E não é porque deu "esmola" com o Bolsa Família, é porque deu àqueles necessitados o que comer. Você acha que tais partidos citados acima conseguiriam mudar a política brasileira? Eu acho que não. Acredito que nenhum governo será capaz de mudar o caminho que o Brasil segue e não há motivos para isso. O que farão, sem dúvida, é dar continuidade a essa política. É isso que todos os candidatos dizem, reparou? Ninguém fala em grandes mudanças. E não será preciso começar. O começo se deu há 8 anos. Agora, como continuar?
05 de agosto às 19:12

Raphael Penteado: Oi Clarisse. É claro que existe, mas hoje eles tem nomes mais bacanas: direita = neo-liberal; esquerda = 3a via.
Infelizmente o que há no Brasil hoje é um grande problema de percepção. Todos acreditam que o Bolsa Família que está resolvendo todos os problemas sociais no Brasil. A realidade é bem diferente. Veja, não tenho absolutamente nada contra esses programas sociais. Mesmo porque a maioria desses programas foram criados antes do governo Lula (com excepção do Fome Zero). O que critico sim é que o governo deixou de exercer critérios importantes na execução desses programas. Por exemplo, antes havia o Bolsa Escola (projeto do Cristóvam Buarque - PT, implementado no governo FHC) que dava dinheiro para as famílias só se as crianças tivessem presença na escola. Isso ajudou a diminuir muito o trabalho infantil no Brasil. O governo tirou esse critério. Resultado: o trabalho infantil nos últimos 7 anos só cresceu.
05 de agosto às 23:43

Raphael Penteado: Mas voltando ao que interessa: nenhum desses programas sociais foi responsável pela melhoria da distribuição de renda no país. Os próprios economistas do PT estimam que o impacto desses programas só explique 30% das melhoras em distribuição de renda. O que aconteceu mesmo foram os ganhos reais do salário mínimo e do crescimento da economia brasileira. E isso não é obra do atual governo! O governo votou contra os aumentos do salário mínimo. Só que o povo não entende isso. É problema de percepção. A economia atual foi construída nos últimos 20 anos. Por exemplo, hoje o brasileiro dirige Renault, Citroen, Hyundai, Peugeot, etc. porque o governo Collor abriu o mercado brasileiro. Isso aconteceu a quase 2 décadas. Mas analisar a economia de hoje e entender que isso foi construído durante 20 anos é uma análise difícil, não dá para esperar que o povo (de uma forma geral) consiga fazer essa análise. Agora, por isso mesmo meto o pau sim, em quem tem instrução, preparo, educação e continua a ignorar os fatos. Você sabe porque os candidatos dizem que vão dar continuidade às políticas do governo Lula?
05 de agosto às 23:57

Raphael Penteado Porque o Ibope fez uma pesquisa. Essa pesquisa identificou que o fator de maior impacto nas eleições desse ano é "quem vai dar continuidade às políticas do governo Lula". Mas foi essa mesma pesquisa que identificou tudo que falei acima. Ninguém fala em grandes mudanças mesmo porque o Lula também não as fez. Tenho duas grandes críticas ao governo Lula: a conivência com a corrupção e a demagogia que continua a propagar essa interpretação de que "nunca antes na história desse país..." Isso é cretinismo, eles sabem muito bem que não foram eles - porque eles não mudaram nada!! Critico muito essa demagogia porque isso reflete um partido que não tem um projeto para o Brasil, mas sim um projeto de poder.
06 de agosto às 00:12


Clarisse Sousa:
Mas você classifica o governo Lula, um governo de esquerda? Eu não acho. Desde o começo ele demonstrou que não era um "comedor de criancinhas". Apenas um líder sindical que chegou ao poder, amedrontando a elite. Concordo quando diz que o Bolsa Família não resolve os problemas socias no Brasil, acho realmente que tem muito o que melhorar. Mas você tem que concordar que é uma grande iniciativa, é um começo. Sim, foi um programa desenvolvido no governo anterior, mas foi neste que ele foi ampliado, racionalizado. Pela primeira vez, a luta contra a miséria e a desigualdade transformou-se em um problema administrativo. Os direitos sociais nunca foram prioridades. No aspecto econômico, o Brasil melhorou muito, melhorou horrores. E mais uma vez, uma continuidade da política anterior. Acho que o Lula teve sorte, !? Parece que estava tudo no forno e ele apenas tratou de servir o bolo. Agora, não entendo porquê o FHC não fez isso, só agora apareceram números como 250 bilhões de dólares de reservas externas. O Brasil, agora, é bem visto lá fora. De devedor, passou a ser credor internacional. Quanto aos candidatos, ninguém quer parecer ser inimigo de um dos governos mais populares da história do país. Os 39% de intenção de voto para Dilma na pesquisa IBOPE é, na verdade, de Lula.
07 de agosto às 20:37

Raphael Penteado (via e-mail): Primeiro, acho importante entendermos o contexto histórico. O Brasil declarou moratória duas vezes, em 1982 e 1987. Para qualquer país, isso é economicamente desastroso. O país fala para seus credores internacionais: “devo e não pago”. Eventualmente, lógico, o país tenta renegociar e pagar em outros termos. Mas isso acaba com a credibilidade externa do país, tornando o financiamento de qualquer coisa muito difícil. Sete anos depois, e com a inflação completamente descontrolada, o Brasil lança o plano Real. O Real tinha duas condições fundamentais: uma rigidez monetária com o Real atrelado ao dólar e uma melhora do desempenho fiscal. Não é só o Brasil, isso é básico de qualquer economia, o governo só tem duas ferramentas à sua disposição para controlar ou estimular a economia: monetária ou fiscal (muitas vezes uma combinação das duas). Para controlar a inflação, você aumenta a taxa de juros (política monetária) ou corta gastos do governo (política fiscal). Para estimular a economia, você faz o contrario. No Brasil, nós tínhamos um outro problema: a indexação. O Brasil atrelou o valor do Real usando suas reservas como garantia. Então quando havia pressão no mercado para forçar uma desvalorização do Real, o BC intervia e comprava Real para segurar o cambio. Só que aí pegamos todas as crises mundiais imagináveis: México (94), tigres asiáticos (97), e Rússia (98). Só que aí é que o contexto se torna importante, o Brasil havia conseguido muitos ganhos, mas a nossa credibilidade internacional não era nenhuma Brastemp. Para piorar, o clima de investimento internacional era altamente especulativo, e o investidor colocava todos os países emergentes num saco só. Não haveria porque quebras do outro lado do mundo afetassem a nossa bolsa, mas mesmo assim a nossa despencava. O investidor só aprendeu a fazer uma diferenciação muito recentemente. Então eles apostavam que o governo não ia conseguir bancar uma taxa cambial fixa (não tinha reservas suficientes para isso), aí ele apostava que o Brasil não aguentaria as pontas e apostava contra, colocando uma pressão tremenda em na taxa cambial. Em 1999 a coisa estourou e o Brasil foi forçado a desvalorizar o Real. Havia muito receio no governo que isso causasse uma volta da inflação por causa da indexação. Ninguém sabia o que ia acontecer, e o receio da volta da inflação era completamente justificável. A indexação fazia parte da cultura brasileira e ninguém sabia se a política monetária ia conseguir segurar a onda (a outra, a fiscal, praticamente nem existia ainda! A lei de responsabilidade fiscal só foi aprovada em 2000). E esse ponto eu não posso enfatizar o suficiente: o controle da inflação foi fundamental para o crescimento sustentado do Brasil e proporcionou uma melhora tremenda na desigualdade no Brasil! É isso mesmo, o controle da inflação teve um impacto social gigantesco. A diminuição da desigualdade durante a implementação do Real foi da mesma proporção da diminuição da desigualdade durante o governo Lula! Mas a desvalorização do Real também teve um impacto positivo: barateou as exportações brasileiras proporcionando um impulso para a indústria brasileira, mas principalmente para os agros-negócios. Isso rendeu muitas divisas para o país. Ah, e vale lembrar que as crises não pararam por aí: Nasdaq em 2000 e 11 de setembro de 2001 (teve um impacto enorme na economia mundial).

Agora, o governo atual. O que foi exatamente que o Lula fez que resultou na bonança que estamos vivendo hoje? Que política fiscal ou monetária que ele implementou? Qual foi o passe de mágica? NENHUM. NADA. Alguém até poderia argumentar que os aumentos dos gastos sociais e do salário mínimo estimularam a economia. E com certeza tiveram um papel importante. Mas essas medidas estimulam o mercado interno! Isso não explica os 250 bilhões de dólares em reservas externas. Muito pelo contrario, o estimulo interno da economia impulsionaria as importações, reduzindo as reservas brasileiras. Ou seja, essas medidas não explicam o crescimento da economia brasileira. O impulso mesmo foi a desvalorização do Real que proporcionou um impulso enorme para as exportações brasileiras. Fora que arrumamos a casa e o Brasil (principalmente o setor privado) conseguiu financiamento muito barato lá fora. E o contexto (esse dito cujo de novo) mundial foi várias vezes melhor. O mundo cresceu muito. E o pior, o Brasil cresceu menos!! Nos últimos 7 anos, o Brasil só cresceu acima da média mundial duas vezes!! Isso significa que poderíamos ter crescido muito mais. E se o Lula deu sorte? MUITA! Você se lembra o que estava acontecendo no mundo antes dessa última crise eclodir? Barril de petróleo a US$150, escassez de comida em vários países... o cenário era de INFLAÇÃO. Só que a crise atual jogou um balde de água fria em tudo. E o Brasil estava e continua a estar em um cenário de inflação acima da média. Lembra o que eu falei sobre estimular a economia (você faz o contrário)? Ou seja, o aumento dos gastos públicos que estava a beira de causar a inflação a subir muito, foi exatamente o que ajudou a sair da crise mais rápido. Mas, voltamos a crescer já com a inflação em alta. Só nos primeiros 7 meses do ano, o índice de inflação já é de 4%, quando a meta do BC para o ano inteiro é de 4,5%!! Isso é gravíssimo (mesmo que a imprensa não faça muito estardalhaço). Voltar a deixar a inflação a subir muito seria um retrocesso muito grande. Essa história do Brasil sair de devedor e ser credor é muito bonitinha. Só que os fatos enganam. O governo deixou de buscar financiamento lá fora e passou a se endividar aqui mesmo. Nos últimos 7 anos, a dívida pública praticamente dobrou. É um fato importante, mas também é importante analisar o que está por trás disso.

Com relação ao governo Lula ser de esquerda, disso não há dúvida: é sim. Só que o Lula fez um governo de centro-esquerda (igual ao do FHC). O problema é que no Brasil o debate político é sempre de centro-esquerda versus extrema-esquerda. Esse papo de elite versus classe trabalhadora é um conceito antiquado e problemático. Como já disse – a extrema-esquerda continua a remeter os seus argumentos a um mundo onde Lênin e Marx são contemporâneos. Não é possível que continuem a enxergar um mundo através desse prisma. O mundo mudou e eles ainda não perceberam. Isso acaba prejudicando muito o debate político porque o Brasil se beneficiaria muito mais de um debate de centro-esquerda versus centro-direita; como é no resto do mundo – principalmente no mundo desenvolvido onde os índices sociais dão de dez a zero nos nossos.

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Gostaria de agradecer ao Raphael, Economista e Cientista Político, pelos comentários. Discussões como esta nos enriquece, sempre.